1978 Brinquedos de Madeira

BRINQUEDOS DE MADEIRA

1978

Cooperativa Árvore

Pé de Vento  apresenta   Brinquedos de Madeira

Não se trata efectivamente de uma “exposição”, no sentido mais estrito e limitativo do termo, mas de tornar possível a misteriosa comunicação dos que aqui vêm – pequenos ou grandes – com a essência de cada objecto, com a realidade que ele prefigura ou simboliza.

Brinquedo de Madeira, objecto mágico: brinquedo de feira para os meninos ricos, brinquedo de festa para os meninos pobres. Brinquedo quantas vezes feito por meninos de aldeias perdidas no tempo, perdidas no espaço. Brinquedo mágico da infância longínqua dos grandes.

 

E, todavia, quase já não há brinquedos de madeira. “Os brinquedos correntes são de uma matéria ingrata, produtos de uma química, não de uma natureza.” (Barthes) A apresentação do brinquedo de madeira é uma iniciativa essencialmente dirigida à inspiração, à criatividade, a curiosidade natural da criança, faculdades tantas vezes inibidas por uma educação repressiva, pela imposição de mitos, valores e padrões de comportamento do indigente mundo dos adultos. Mas ela também se destina aos pais, educadores e professores conscientes, que não ignoram que os brinquedos de hoje visam fundamentalmente a aceitação e integração progressivas da criança numa sociedade violenta e ferozmente competitiva. A estes últimos, e muito em especial aos professores de Educação Visual e de Trabalhos Oficinais, endereçamos um apelo no sentido de que colaborem connosco numa exposição itinerante a realizar em meados de Outubro, enviando-nos trabalhos dos seus alunos para que eles possam ser vistos por muitas outras crianças. Gostaríamos, assim, de tornar possível a divulgação desse precioso trabalho anónimo, incentivando em cada criança o apreço pelo trabalho de outras crianças. Nesta apresentação de brinquedos de madeira contamos com a importante participação do Museu de Etnografia e História do Porto, que muito agradecemos. Ao Gino (mãos de poeta a trabalharem madeira ou a fascinação da metamorfose) e ao Zé Grade (o rigor, a harmonia e o encantamento), um abraço pela preciosa colaboração. Ao arquitecto Guilherme Salvador o nosso reconhecimento pelo entusiasmo com que acolheu esta iniciativa e pela cedência do “Santa Cruz” (a reprodução à escala do avião de Gago Coutinho) e da sua avioneta preferida … Ao Manuel e ao Toninho que quiseram fazer um daqueles carros onde aprenderam a vertigem de se estar vivo nesta cidade. A todos os que trouxeram coisas, o agradecimento do Pé de Vento. Da tensão entre o jogo e o desejo se gerou esta invenção que é pôr e dispôr ou, se se preferir, projectar uma linguagem mágica num espaço vazio: a semelhança das formas; a ilusão do movimento; a harmonização das cores; a fragilidade e o equilíbrio; a fascinação dos pequenos; a infância perdida dos grandes ou a infinita solidão da marioneta suspensa. Quisemos propor uma leitura-percurso: uma das muitas possíveis. Entre o mais ingénuo artesanato e o mais sofisticado. Entre as peças de fabrico em série e as peças únicas, há, todavia, uma coerência, para além da própria substância utilizada: a dimensão lúdica do acto da criação, a projecção do criador no mundo da invenção, sem que se esqueça que ver é também inventar. 

Junho/1978
Maria João Reynaud/João Luiz